sábado, 31 de dezembro de 2011

Caos-germe

Só as sombras me aclareiam.
Do caos foi feita minha ordem
De meus abortos nasceu um germe
Numa conjunção de fins se deu meu início
Como que por bernes fui acometido pelas palavras -
Elas servem de lamber ferrugens.

Sou moda um navio náufrago aonde vieram pastar peixinhos

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ao invisível ele é muito pertencido

Ao invisível ele é muito pertencido
Escuro toma partido dele
Sua voz - abismo e as águas

A luz ofusca o escuro das coisas -
No intervalo entre dois silêncios.

O lôbrego faz firme a fosca
linha dois feixes luminosos;

Na turvação das nuvens
se alcança contornos de sol
-
Falou isso sem sufixos.

Desentendi esses varêios do dizer
Nem não estava em posse de teorias -
Fiz declínio.

Retrucou isso fosse ponta do princípio.

Ele trazia arestas pros meus joelhos -
Retumbo das estrelas se faz nos escuros
Esse vanilóquio - solto no vento, e eu.
Estive sem calças mão em bolsos?
Isso era?
Pode que seja.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

VI

Guri foi declinado ao desuso -
Recôndito está, recostado na beira do escuro.
Pode que seja vestígio de um ente entre dejetos esquecido
Flor excretada no entre-vãos de rejuntos pode que seja.

Em cantos largados no meio da existência
Guri coalesce com coisas sem préstimos.
Da classe dos insetos ele comunga.
Há ajunte de gorgulhos em seus dizeres.
Aprouve seu ombro repousar moscas.
Lavadeiras o apologizam, como que ciência.

Não gamelado em alfarrábios, faz do estro seu antolho -
Tira de Aurélios só o pro realce de descontornos.
A donaires de doutores dá pouca importância
Quase nenhumas.

Desejo seu é ser lido por analfabetos
ou que por cegos, ou que por doidos
ou que por outros seres varridos
forma que ficou sem valor de mercado -
Compensação era cochicho dos passarinhos.
Seu nome tava em boca de sabiás.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

V

(Guri vez em sempre tinha desvarios.
Tava parado de poste, sentado na tarde
Moda um murundu de cupinzeiro.
Quase se confundia com pedras
a não ser pelo olhar de eternidades.
De forma que me acheguei
pra desvirginar o silêncio:
- Qual a ocasião da vez, guri?
Me olhando só de ouvido:
- Tomando aula de engenharia.
Guri era esmerado em aprender ofícios.
Em frente só um campão pra sempre
borrado de um João-de-Barro.
Ele adquiria funções de ser útil
feito um balde no deserto.)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

IV

Guri alcançou dessaber técnico
Ficou jeito de um pau-ôco sem margens.

Em pra ver seus contornos
precisa desvirar a perspectiva pelo avesso
e acender as aderências internas.
Quem vê de grandeza as coisas
desocupadas de importância tange ele.
Ou que ao menos de miudez as coisas celestes.

Por conta que só os estrábicos
alcançarão seu reino.
O reino nenhum.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

III

(O guri era esclarecido.
Chegou relatar uma vez
que no corpo do bem-te-vi
cerca de 43% é amarelo -
Acho que tinha dom pra estatístico.)

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

II

O guri era feito de desníveis
Eras passadas faziam eco nele
Seu corpo desandava rugosidades
Diluía metrópoles inteiras os seus olhos.
Tinha pouca pressa de assumir funções
Dizia que necessitava de se desinformar bastante
até atingir a imperfeição.
Pretendia de ser inútil profissional
Viver de prestar desserviços à humanidade.
Proseava sobre teoria da relatividade
tanto como sobre borboletas
Desentendia de tudo um pouco.


Eu tenho pra mim que o guri era como uma flor
crescida nos rejuntos dum canteiro mijado.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Guri

O guri deu pra brincar sério.
Pretendia de pôr em prática
a desaceleração do tempo.
Fazer desaprumo de horizontes.

Pelo que estava:
fazendo desleitura de livros;
se ocupando de pássaros;
descumprindo prazos;
desinformando as pessoas;
pondo inutilidade nas coisas;
gastando resmas com desprojetos
etc etc etc

Em suma -
Queria de entornar cisco no olho da gente.

sábado, 13 de agosto de 2011

Compêndio para desuso literário

É de costume da poesia -
Não aparar prédio nos ombros,
não dar consultoria publicitária,
não meter dinheiro nas algibeiras,
não arrumar direito à cargo público,
e não cumprir quarenta horas semanais.


É de costume do poeta -
Estudar para desconhecer com propriedade,
escurecer as palavras até que fiquem claras,
cometer a disfunção de agigantar o ínfimo,
dar transfiguração de poeira ao infinito,
e ser eternizado por suas inutilidades.

sábado, 30 de julho de 2011

Que ironia!
Talvez a metafísica do mundo inteiro
esteja sintetizada no caderno B do jornal.
A vida tal qual um jogo de palavras cruzadas.

No acaso dum relancear involuntário
o achado oportuno:
A solução miúda
ali desde início,
visível e ao alcance da mão.
Só basta virar o mundo às avessas.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Sobre o embaraço

No emaranhado dos relacionamentos,
Toda situação é nó na linha do tempo.
Dada a sobreposição dos entrecruzamentos,
Nos nós nós nos envolvemos.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Sobre o alcance

“O homem é do tamanho daquilo que consegue ver”
Dizia o poeta antimetafísico.
E hoje, os edifícios trancam a vista à chave.
As construções estão a empurrar os nossos olhos
Para detrás de todas as esquinas.
“A morada do homem é o horizonte”
Dizia o antigo provérbio árabe.
E o homem - mais moderno que o ditado -
Apequena-se na vida das grandes cidades.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sobre o correr das coisas

Hoje, quando acordei do meu sono,
Passei a enxergar gradualmente a realidade das coisas.
Como quem vê o paquete de azul japonês de horizonte
Se aproximar à costa e passa a enxergá-lo, nítido.
Sente aqueles emaranhados todos de cheiros,
Antes desconhecidos, a se tornarem sensíveis ao olfato.
Como quem sai lentamente de um estado febril
E sente uma espécie de calor incômodo,
A subir pelo dorso, a tomar os braços
E a reconstituir as imagens verdadeiras,
Recobradas pelo retorno da lucidez.


Hoje, pra mim, claro como o dia mais claro,
Sinto-me como um regato represado,
Privado de cavar os seus próprios vales.
Sou hoje todo acúmulo de águas.
As ações soterradas todas, retidas ao pensamento.
E acaso, pode o regato ser contido
Do seu caminho de encontro ao mar?
Pode a primavera deixar de florescer
As suas flores ao seu tempo?
Consegue reter-se a florescer
Nos canteiros construídos pelas mãos humanas?


Do alto da minha janela, observo toda a vida
Que corre sob o alcance do meu olhar.
Todos aqueles pássaros selvagens
Sobrevoando agora à altura dos meus olhos,
Entrecortando as camadas de ar;
A costa abaixo de mim e a espuma resultante
Do esbravejar das águas sobre as rochas;
O sol a retomar o seu ritual diário,
A nascer e a se pôr ao seu tempo.
E não importa o quanto eu discorde,
Nada posso fazer para conter o acontecer de tudo isso,
As coisas seguem todas dentro dos seus cursos.


E eu que não sou maior nem exterior ao acontecer das coisas,
Posso conformar-me em ser privado do que sinto,
Ao meu tempo de sentir as coisas todas?
Pode alguém se permitir sentir-se privado de sentir?
Sofro atualmente uma espécie de inconformismo conformado.
Como alguém que pede desculpas por se desculpar constantemente.


Cada dia me sinto menos parecido comigo.
Sinto-me hoje como uma alta-costura,
Cosida sob medida por requinte
De um outro alguém qualquer.
A sombra atrelada aos calcanhares
Dos desejos alheios.
Acaso, posso eu conformar-me
Em não ser quem eu sou?


Até ontem, tudo estava como esse navio,
Que sobe a linha do horizonte,
E que a atmosfera inebria o olhar,
A tornar os objetos todos e as coisas todas azuis.
Mas hoje, sinto-o pesado, metálico,
Com todas as suas arestas
E angulosidades exageradas.
Assim, o navio todo como ele é.


terça-feira, 22 de março de 2011

Considerações sobre o homem moderno IV

Os movimentos já se dão de maneira a não mais pensar em sua execução. Acontecem como uma câimbra. Observa a sua frente, um pouco acima do alcance dos seus olhos, uma janela que quebraria a monotonia das visões repetidas dos vários degraus e das sempre mesmas paredes. Pensa num jeito de alcançar a janela para retirar um pouco desse cansaço dos olhos e também o das pernas, já que não parou de subir desde que iniciou. Mas logo repensa e chega a conclusão de que o tempo corre rápido e não o esperará na janela para concluir o seu ciclo diário. E volta ele ao seu próprio ciclo. Sem descanso, sem espera, sem janela, sem atrasos. Agora procura manter os olhos baixos, focando-os apenas nos próprios passos, para não se deter a qualquer outra distração futura. Para que continue apenas assim, um degrau a chamar um novo.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Considerações sobre o homem moderno III

Ele se esforça. Passo após passo, os movimentos se repetem circulares. Dada certa quantidade de degraus, julga concluído um novo giro, trezentos e sessenta graus completos ao redor do eixo. Mas, na verdade, chega um momento que pela repetição exaustiva, já não sabe o que é início e o que é fim de volta. Como quem tenta pronunciar repetidamente uma frase trava-língua e na terceira repetição já não tem certeza do que está dizendo. Contudo, pensa em como valerá apena o seu penar velado depois de todo o esforço, quando o topo lhe favorecer a vista, pairando calma, acima da cidade. Por hora, é subir novos degraus, avançando no espaço sem horizontes.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Considerações sobre o homem moderno II

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Sobre o homem moderno / About modern man
.
A maioria dos homens vive uma existência de tranquilo desespero. (H. D. Thoreau) / Most men lead lives of quiet desperation. (H. D. Thoreau)

domingo, 30 de janeiro de 2011

Considerações sobre o homem moderno I

Ele sobe. Degrau após degrau. Consiste numa espécie de escada em caracol por onde se sobe em círculos contínuos ao redor de um mesmo eixo. Sabe como acontece nessas situações, a visão se volta sempre para as mesmas paredes. Os novos passos se revelam apenas como mais do mesmo. Ao longo da subida, olha pra cima e o que vê são círculos e mais círculos delineando uma trajetória em espiral, se perdendo da vista. Ao olhar pra baixo vê o funil longínquo, nota que já perdeu a referência do início. Agora é todo escada, degraus, paredes e círculos.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre o homem com o turbante árabe.

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Sobre o homem com o turbante árabe / About the man with the arab turban
Lápis branco / White pencil