terça-feira, 26 de abril de 2011

Sobre o alcance

“O homem é do tamanho daquilo que consegue ver”
Dizia o poeta antimetafísico.
E hoje, os edifícios trancam a vista à chave.
As construções estão a empurrar os nossos olhos
Para detrás de todas as esquinas.
“A morada do homem é o horizonte”
Dizia o antigo provérbio árabe.
E o homem - mais moderno que o ditado -
Apequena-se na vida das grandes cidades.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sobre o correr das coisas

Hoje, quando acordei do meu sono,
Passei a enxergar gradualmente a realidade das coisas.
Como quem vê o paquete de azul japonês de horizonte
Se aproximar à costa e passa a enxergá-lo, nítido.
Sente aqueles emaranhados todos de cheiros,
Antes desconhecidos, a se tornarem sensíveis ao olfato.
Como quem sai lentamente de um estado febril
E sente uma espécie de calor incômodo,
A subir pelo dorso, a tomar os braços
E a reconstituir as imagens verdadeiras,
Recobradas pelo retorno da lucidez.


Hoje, pra mim, claro como o dia mais claro,
Sinto-me como um regato represado,
Privado de cavar os seus próprios vales.
Sou hoje todo acúmulo de águas.
As ações soterradas todas, retidas ao pensamento.
E acaso, pode o regato ser contido
Do seu caminho de encontro ao mar?
Pode a primavera deixar de florescer
As suas flores ao seu tempo?
Consegue reter-se a florescer
Nos canteiros construídos pelas mãos humanas?


Do alto da minha janela, observo toda a vida
Que corre sob o alcance do meu olhar.
Todos aqueles pássaros selvagens
Sobrevoando agora à altura dos meus olhos,
Entrecortando as camadas de ar;
A costa abaixo de mim e a espuma resultante
Do esbravejar das águas sobre as rochas;
O sol a retomar o seu ritual diário,
A nascer e a se pôr ao seu tempo.
E não importa o quanto eu discorde,
Nada posso fazer para conter o acontecer de tudo isso,
As coisas seguem todas dentro dos seus cursos.


E eu que não sou maior nem exterior ao acontecer das coisas,
Posso conformar-me em ser privado do que sinto,
Ao meu tempo de sentir as coisas todas?
Pode alguém se permitir sentir-se privado de sentir?
Sofro atualmente uma espécie de inconformismo conformado.
Como alguém que pede desculpas por se desculpar constantemente.


Cada dia me sinto menos parecido comigo.
Sinto-me hoje como uma alta-costura,
Cosida sob medida por requinte
De um outro alguém qualquer.
A sombra atrelada aos calcanhares
Dos desejos alheios.
Acaso, posso eu conformar-me
Em não ser quem eu sou?


Até ontem, tudo estava como esse navio,
Que sobe a linha do horizonte,
E que a atmosfera inebria o olhar,
A tornar os objetos todos e as coisas todas azuis.
Mas hoje, sinto-o pesado, metálico,
Com todas as suas arestas
E angulosidades exageradas.
Assim, o navio todo como ele é.